CIÊNCIA DE DADOS

Cientista de dados que não se comunica, não se valoriza

O saudoso Chacrinha se foi há mais de 30 anos, mas a famosa frase “Quem não se comunica, se trumbica!” é perfeita para começar este artigo. Trumbicar-se é “Dar-se mal ou entrar pelo cano; estrepar-se, trombicar-se”, como pontuam os dicionários, e é exatamente o que ocorre quando cientistas de dados não conseguem transmitir o desenvolvimento de um projeto ou seus resultados. Por isso, mais do que nunca, saber expressar-se, contextualizar e compartilhar informações é uma habilidade necessária para quem quer trabalhar com projetos em inteligência artificial (e em qualquer outra área).

Vamos começar com exemplos práticos da Neurotech. Quando o trabalho é feito só por cientistas de dados que não evoluíram em suas habilidades de comunicação, o resultado é prejudicado. Problemas e avanços não são comunicados em seu devido tempo – às vezes sequer são comunicados, na verdade. Isso deixa o time, principalmente o comercial, e o cliente no escuro, fazendo com que todos os esforços feitos para resolver o problema sejam subestimados ou mesmo desconsiderados. Ou seja, no fim das contas, em vez de satisfação, o que ocorre é uma grande frustração porque, sem comunicação, não há visibilidade do que já foi feito nem do que está sendo feito.

Pior, a insatisfação é resultado de ambos os lados. De um lado o cientista de dados que trabalhou duro, virou noites para entregar o projeto e do outro lado a área comercial e o cliente que não conseguem ver o valor na entrega final.

Comunicar-se bem é um skill estratégico

Casos como os citados acima, infelizmente, não são incomuns, mesmo com projetos mais robustos. Há projetos longos, com investimento grande, com alto engajamento técnico, porém com baixa capacidade de comunicação – e, consequentemente, resultados abaixo do esperado. O contrário também é verdadeiro:

projetos com baixo investimento técnico
e alto grau de comunicação superam
expectativas, porque conseguem dar mais
visibilidade ao que está acontecendo.

Estes últimos geralmente são grupos que contam com pessoas das áreas de design e de comunicação. Então, uma das saídas é uma equipe multidisciplinar?

Sim, mas o cientista de dados não pode “se escorar” no colega de UX/UI, produtos e esperar que ele leve a comunicação nas costas. Todos os profissionais que querem trabalhar com inteligência artificial precisam priorizar a comunicação como habilidade em sua carreira, sobretudo os que, pela natureza da formação, tiveram menos tempo treinando essa competência.

Não são só empresas como a Neurotech que estão atentas à comunicação com um skill estratégico. Na Amazon, por exemplo, as ideias precisam ser explicadas de forma escrita antes de virarem protótipo. Destrinchar a proposição por meio de palavras induz a pessoa a organizar os pensamentos e adiantar a resposta a questões que, de outra forma, precisariam de reuniões e consumiriam mais tempo do que deveriam.

Isso sem falar que, mesmo não sendo da equipe comercial, todos nós “vendemos” o projeto, a empresa que representamos, as ideias que defendemos… e comunicar-se bem é essencial para que uma venda seja realizada. Na Neurotech, os memorandos têm sido usados cada vez mais para alinhar as expectativas e deixar todo mundo na mesma página.

Na foto acima, Sthephany Landry, líder do Prime Now. Ela precisou escrever a ideia do serviço antes de ter um protótipo.
Foto: Seattle Times

Na verdade, tudo isso também tem muito a ver com o lean startup e metodologias ágeis, já que esses processos terminam “forçando” a troca de informações de forma clara e útil. Como seria possível fazer entregas parciais e ir aprimorando o produto sem uma comunicação eficiente durante esses checkpoints dentro do projeto? Eu, Rodrigo, sempre falo que:

no caso da comunicação, precisamos
pecar pelo excesso. Falar, escrever,
falar de novo e depois
escrever mais uma vez.

É preciso sempre se perguntar se as pessoas envolvidas no produto/processo/projeto estão com a visão do todo, estão envolvidas, sabem da sua importância e, mais importante ainda, se sabem qual o impacto do seu trabalho na entrega de valor para o cliente final.

Boa comunicação começa de dentro para fora

Uma das primeiras consolidações do significado de comunicação vem do cristianismo antigo, em que communicatio era o ato de tomar a refeição da noite em comum, quebrando o isolamento dos monges. E, até hoje, todas as palavras que orbitam no universo da comunicação (compartilhar, transmitir, trocar, conectar…) exprimem relação, especialmente entre pessoas. Mas a primeira boa relação de comunicação tem ser entre você e você mesmo(a).

Na EuEscrevo, novas trilhas de treinamento em comunicação e escrita estão começando com profissionais da área de teatro, para ajudar as pessoas a, primeiro, conseguirem se conectar com elas mesmas para, na sequência, conectarem-se com outras. Parece algo muito sentimental e abstrato, mas tem tudo a ver com resultados pragmáticos e corporativos: pessoas “travadas” (conscientes disso ou não) levam essa dificuldade para o dia a dia do trabalho, com as barreiras começando a se mostrar pela comunicação não verbal e através das reações a emoções.

A partir de você, as possibilidades de comunicação “plena” são inúmeras, seja escrevendo, fazendo uma apresentação, expondo um ponto de vista em uma reunião ou mesmo conversando. É óbvio que habilidades de comunicação não brotam magicamente só porque a gente diz “quero me comunicar melhor” ou “quero usar a comunicação para vender melhor”. É um processo cognitivo construído ao longo do tempo e, como qualquer outra habilidade, avança à medida que se treina.

No fim das contas, comunicação (ainda) é uma habilidade praticamente exclusiva do ser humano. É uma das vantagens competitivas que (ainda) temos em relação aos robôs. Mesmo os algoritmos mais avançados de inteligência artificial ainda correm atrás de tentar simular o modo como nos conectamos . Então, independente no nível em que está sua comunicação hoje, ela está sempre num ponto em que pode evoluir. Não deixe que sua alta capacidade técnica e/ou acadêmica isole você numa torre de marfim. O tempo de ser uma ilha e se esconder atrás da tela do computador já passou.

E aí, pessoal, vamos nos comunicar?!

Rodrigo Cunha – Sócio da Neurotech, empresa pioneira na aplicação prática de inteligência artificial no mercado varejista brasileiro.

Artigo escrito junto com Emidia Felipe, da EuEscrevo.